Comer não é só uma questão de matar a fome. A decisão sobre que
comida colocar no prato tem implicações econômicas, ambientais, éticas,
culturais, fisiológicas, filosóficas, históricas, religiosas. Neste
texto, abordaremos as implicações ambientais da decisão de comer carne.
Se todos fossem vegetarianos, é provável que não houvesse tanta fome
no mundo. É que os rebanhos consomem boa parte dos recursos da Terra.
Uma vaca, num único gole, bebe até 2 litros de água. Num dia, consome
até 100 litros. Para produzir 1 quilo de carne, gastam-se 43.000 litros
de água. Já um quilo de tomates custa ao planeta menos de 200 litros de
água.
Sem falar que damos grande parte dos vegetais que produzimos aos
animais. Um terço dos grãos produzidos no mundo vira comida de vaca. No
Brasil, o gado quase não come grãos – graças ao clima, é criado solto e
se alimenta de grama. Mas boa parte da nossa produção de soja, uma das
maiores do mundo, é exportada para ser dada ao gado que está lá. Outra
questão é que a pecuária bovina estimula a monocultura de grãos. Num
mundo vegetariano, haveria lavouras mais diversificadas e teríamos muito
mais recursos para combater a fome.
E não se trata só de comida. A pecuária esgota o planeta de outras
formas. “Para começar, ocupa um quarto da área terrestre e não para de
se expandir”, diz o ativista vegetariano Jeremy Rifkin. A pressão para a
derrubada das florestas, inclusive a amazônica, vem em grande parte da
necessidade de pasto. Entre os danos ambientais causados pelo gado, está
também o aquecimento global.
As pessoas deveriam considerar comer menos carne como uma forma de
combater o aquecimento global, segundo o principal cientista climático
da Organização das Nações Unidas (ONU). Números da ONU sugerem que a
produção de carne lança mais gases do efeito estufa na atmosfera do que o
setor do transporte.
A Organização da ONU para Agricultura e Alimentos (FAO) estima que as
emissões diretas da produção de carne correspondem a 18% do total
mundial de emissões de gases do efeito estufa. Esse número inclui gases
do efeito estufa liberados em todas as etapas do ciclo de produção da
carne – abertura de pastos em florestas, fabricação e transporte de
fertilizantes, queima de combustíveis fósseis em veículos de fazendas e
emissões físicas de gado e rebanho. O transporte, em contraste, responde
por apenas 13% da pegada de gases da humanidade, segundo o IPCC.
Pesquisas mostram que as pessoas estão ansiosas sobre suas pegadas de
carbono e reduzindo as jornadas de carro, por exemplo, mas elas talvez
não percebam que mudar o que está em seu prato pode ter um efeito ainda
maior.
Parar de comer carne sempre foi a bandeira dos vegetarianos. Suas
razões eram principalmente a saúde humana e os direitos dos animais.
Hoje, o foco mudou. “Agora o meio ambiente pesa na decisão de não comer
carne”, diz o biólogo Sérgio Greif, da Sociedade Vegetariana Brasileira.
Um dos mais expoentes adeptos da campanha por menos carne e mais
florestas é o biólogo americano Edward Wilson, da Universidade Harvard.
Segundo ele, só será possível alimentar a população mundial no fim do
século se todos forem vegetarianos. “O raciocínio é matemático”, diz
Greif. A produção de grãos de uma fazenda com 100 hectares pode
alimentar 1.100 pessoas comendo soja, ou 2.500 com milho. Se a produção
dessa área for usada para ração bovina ou pasto, a carne produzida
alimentaria o equivalente a oito pessoas. A criação de frangos e porcos
também afeta as florestas. Para alimentá-los, é necessário derrubar
árvores para plantar soja e produzir ração. Mas, na relação
custo-benefício entre espaço, recursos naturais e ganho calórico, o boi é
o pior.
O gado tem sido considerado o grande vilão da Amazônia. Hoje, o
Brasil mantém 195 milhões de bovinos. Há mais bois que pessoas. Cerca de
35% desse rebanho está na Amazônia. Para alimentar o gado, os
pecuaristas desmataram uma área de 550 quilômetros quadrados, o
equivalente ao estado de Minas Gerais. Criados livres no campo, sem
ração, os bois precisam todo ano de novas áreas derrubadas para a
formação de pasto.
A pecuária na região está ligada à ocupação irregular de terras
públicas. As terras da região pertencem ao Estado e em sua maioria foram
tomadas na forma de posse. “Sem ter de pagar pela terra, fica mais
barato produzir lá que no Sul e no Sudeste”, diz Paulo Barreto, do
Imazon. Para comprovar a posse da área tomada, o fazendeiro precisa
mostrar que a terra é produtiva. “Para isso também servem os bois”,
afirma Barreto.
Resultado de cinco meses de trabalho, os números de um estudo
coordenado por Mercedes Bustamante, da Universidade de Brasília (UnB),
Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e
Roberto Smeraldi, da ONG Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, mostram
que, em 2005, a emissão de gases-estufa (GEE) da pecuária representou
48% do total brasileiro. A atividade emitiu 1,055 bilhão de toneladas de
GEE sobre 2,203 bilhões do total nacional, número do tão esperado
inventário brasileiro de emissões, divulgado só recentemente pelo
Ministério da Ciência e Tecnologia.
“A diferença desse estudo em relação às abordagens estatísticas
tradicionais é que elas dividem as emissões por categorias, e nossa
abordagem é pela cadeia de um produto específico”, explicou Smeraldi.
“Então ela é transversal, porque envolve uso da terra e fermentação
entérica (basicamente, arroto de boi e vaca), por exemplo, processos que
estão separados no inventário.”
Um quilo de carne industrializada significa 300 quilos de gás-estufa
emitido, e esses 300 kg custam R$ 10 no mercado de carbono. Assim, é a
primeira vez que a chamada “pegada de carbono” de um produto específico,
no caso a carne bovina, é calculado. Pegada de carbono é a quantidade
de gás-estufa liberada direta ou indiretamente por uma certa atividade.
“O interessante desses dados é que eles podem começar a traduzir toda a
situação para o consumidor, a dona de casa, o investidor”, comentou
Smeraldi.
“Essa é a diferença de ter números sobre categorias e números sobre
produtos: 1 quilo de carne industrializada significa 300 quilos de
gás-estufa emitido, e esses 300 kg custam R$ 10 no mercado de carbono. É
mais do que o custo da própria carne por quilo no atacado (o kg do
dianteiro custa R$ 3,60; do traseiro, R$ 5,90)”, disse o especialista.
“Como investidor eu posso raciocinar que, se a carne tivesse que
pagar o CO2 que emite, ficaria inviável. Por outro lado, se seguir boas
práticas, posso reduzir uma barbaridade essa emissão e vender o CO2
poupado no mercado de emissões por um preço superior ao da carne.
Frigorífico pode fazer mais dinheiro vendendo redução de carbono do que
vendendo a própria carne.”
No topo absoluto da cadeia alimentar, os seres humanos se dão ao luxo
de comer de tudo, mas a um preço elevado: a pesca maciça está levando
as espécies marinhas à extinção, e a piscicultura polui a água, o solo e
a atmosfera – o que precisa fazer com que mudemos de hábitos. Alimentar
a humanidade – nove bilhões de indivíduos até 2050, segundo as
previsões da ONU – exigirá uma adaptação de nosso comportamento.
Mesmo que seja fonte essencial de proteínas, a carne bovina não é
“rentável” do ponto de vista alimentar: são necessárias três calorias
vegetais para produzir uma caloria de carne de ave, sete para uma
caloria de porco e nove para uma caloria bovina. Dessa maneira, mais de
um terço (37%) da produção mundial de cereais serve para alimentar o
gado – 56% nos países ricos – segundo o World Ressources Institute.
Seria o caso, então, de reduzir o consumo de carne e substituí-lo
pelo peixe? Os oceanos não podem ser considerados uma despensa
inesgotável, estimou Philippe Cury, diretor de pesquisas do Instituto de
Pesquisas para o Desenvolvimento (IRD). O número de pescadores é duas a
três vezes superior à capacidade de reconstituição das espécies. No
atual ritmo, a totalidade das “espécies comerciais” haverá desaparecido
em 2050.
A agricultura, particularmente produtos de carne e laticínios, é
responsável pelo consumo de cerca de 70% da água doce do mundo, 38% do
uso de terra e 19% das emissões de gases estufa. Espera-se que os
impactos da agricultura cresçam substancialmente devido ao crescimento
da população e o crescimento do consumo de produtos animais. Ao
contrário dos combustíveis fósseis, é difícil produzir alternativas: as
pessoas têm que comer. Uma redução substancial de impactos somente seria
possível com uma mudança de dieta, eliminando produtos animais.
Um painel de especialistas categorizou produtos, recursos e
atividades econômicas e de transporte de acordo com seus impactos
ambientais. A agricultura se equiparou com o consumo de combustível
fóssil porque ambos crescem rapidamente com o maior crescimento
econômico. O professor Edgar Hertwich, principal autor do relatório,
disse: “Produtos animais causam mais dano que produzir minerais de
construção como areia e cimento, plásticos e metais. Biomassa e
plantações para animais causam tanto dano quanto queimar combustíveis
fósseis.”
A diminuição do consumo de carne e leite em todo o mundo levaria, até
2055, a uma redução de 80% das emissões de gases que agravam o efeito
estufa no setor agropecuário. A conclusão é de um estudo divulgado pelo
Instituto de Estudos das Mudanças Climáticas de Potsdam, na Alemanha.
O coordenador do estudo, Alexander Popp, afirma que “a carne e o
leite podem realmente fazer a diferença”. A explicação, segundo ele, é
que uma redução no consumo desses itens levaria a uma queda nas emissões
de dois dos gases que mais agravam o aquecimento: o metano e o óxido de
nitrogênio. Esses gases são lançados na atmosfera durante a
fertilização dos campos agrícolas e na produção de ração para alimentar
vacas, ovelhas e cabras, entre outros animais.
Dito isso, fica a pergunta: o que você quer fazer com o planeta? Cuidar dele ou devorá-lo?
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