segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Dez

Há muito mais noite do que sobre as torres e as pontes:
e dela se avistam de outra maneira os longos prados sucessivos,
o limo, as conchas, os frágeis esqueletos,
a crespa vaga paralisada em húmus,
despedida para sempre do mar.

Para quem trabalha o flamejante universo?
Para quem se afadiga amanhã o corpo do homem transitório?
Para quem estamos pensando, na sobre-humana noite,
numa cidade tão longe, numa hora sem ninguém?
Para quem esperamos a repetição do dia,
e para quem se realizam estas metamorfoses,
todas as metamorfoses,
no fundo do mar e na rosa-dos-ventos,
numa vigília humana e na outra vigília ,
que é sempre a mesma, sem dia, sem noite,
incógnita e evidente?

Abraçava-me a noite nítida,
à exata noite que aparece e desaparece no seu justo limite,
à noite que existe e não existe,
e murmura aos seus ouvidos sucessivos:
"Não quero mais dormir, nunca mais...nunca..." E a noite
levava meus olhos e meu pensamento,
levava-os, entre as estrelas antigas,
entre estrelas nascentes
- e eram muito menores
que as letras das palavras do meu grito.
     
        Doze Noturnos Da Holanda, Cecília Meireles

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