segunda-feira, 30 de junho de 2014

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe”.
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Pablo Neruda

domingo, 29 de junho de 2014

Não se Mate

Não se Mate
Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.

Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.

O amor, Carlos, você telúrico,
a noite passou em você,
e os recalques se sublimando,
lá dentro um barulho inefável,
rezas,
vitrolas,
santos que se persignam, .
anúncios do melhor sabão,
barulho que ninguém sabe
de quê, praquê.

Entretanto você caminha
melancólico e vertical.
Você é a palmeira, você é o grito
que ninguém ouviu no teatro
e as luzes todas se apagam.
O amor no escuro, não, no claro,
é sempre triste, meu filho, Carlos,
mas não diga nada a ninguém,
ninguém sabe nem saberá.

Carlos Drummond de.Andrade

sábado, 28 de junho de 2014

AMEI DEMAIS

Madruguei demais. Fumei demais. Foram demais
todas as coisas que na vida eu emprenhei.
Vejo-as agora grávidas. Redondas. Coisas tais,
como as tais coisas nas quais nunca pensei.

Demais foram as sombras. Mais e mais.
Cada vez mais ardentes as sombras que tirei
do imenso mar de sol, sem praia ou cais,
de onde parti sem saber por que embarquei.

Amei demais. Sempre demais. E o que dei
está espalhado pelos sítios onde vais
e pelos anos longos, longos, que passei

à procura de ti. De mim. De ninguém mais.
E os milhares de versos que rasguei
antes de ti, eram perfeitos. Mas banais.

Joaquim Pessoa

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Se sou amado,
quanto mais amado
mais correspondo ao amor.

Se sou esquecido,
devo esquecer também,
Pois amor é feito espelho:
-tem que ter reflexo.

Pablo Neruda

terça-feira, 24 de junho de 2014

O amor romântico é como um traje, que, como não é eterno, dura tanto quanto dura; e, em breve, sob a veste do ideal que formamos, que se esfacela, surge o corpo real da pessoa humana, em que o vestimos. O amor romântico, portanto, é um caminho de desilusão. Só o não é quando a desilusão, aceite desde o princípio, decide variar de ideal constantemente, tecer constantemente, nas oficinas da alma, novos trajes, com que constantemente se renove o aspecto da criatura, por eles vestida.
Fernando Pessoa

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Recordação

Agora, o cheiro áspero das flores
leva-me os olhos por dentro de suas pétalas.
Eram assim teus cabelos;
tuas pestanas eram assim, finas e curvas.

As pedras limosas, por onde a tarde ia aderindo,
tinham a mesma exalação de água secreta,
de talos molhados, de pólen,
de sepulcro e de ressurreição.
E as borboletas sem voz
dançavam assim veludosamente.

Restituiu-te na minha memória, por dentro das flores!
Deixa virem teus olhos, como besouros de ônix,
tua boca de malmequer orvalhado,
e aquelas tuas mãos dos inconsoláveis mistérios,
com suas estrelas e cruzes,
e muitas coisas tão estranhamente escritas
nas suas nervuras nítidas de folha
- e incompreensíveis, incompreensíveis.

Cecília Meireles

domingo, 22 de junho de 2014

I

Minha primeira lágrima
caiu dentro de teus olhos
Tive medo de a enxugar:

para não saberes que havia caído.

No dia seguinte, estavas imóvel,
na tua forma definitiva,
Modelada pela noite,
pelas estrelas,
pelas minhas mãos.

Exalava-se de ti o mesmo frio do orvalho;

a mesma claridade da lua.

Vi aquele dia levantar-se inutilmente
para as tuas pálpebras,
E a voz dos pássaros
e a das águas correr,
- sem que a recolhessem teus ouvidos inertes.

Onde ficou teu outro corpo?

Na parede?

Nos móveis?

No teto?

Inclinei-me sobre o teu rosto,
absoluta, como um espelho,
E tristemente te procurava.

Mas também isso foi inútil,

como tudo mais.

Cecília Meireles 

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Quando me tratas mau e, desprezado,
Sinto que o meu valor vês com desdém,
Lutando contra mim, fico a teu lado
E, inda perjuro, provo que és um bem.
Conhecendo melhor meus próprios erros,
A te apoiar te ponho a par da história
De ocultas faltas, onde estou enfermo;
Então, ao me perder, tens toda a glória.
Mas lucro também tiro desse ofício:
Curvando sobre ti amor tamanho,
Mal que me faço me traz benefício,
Pois o que ganhas duas vezes ganho.
Assim é o meu amor e a ti o reporto:
Por ti todas as culpas eu suporto.
William Shakespeare

quarta-feira, 18 de junho de 2014

É isto que amamos nos outros: o lugar vazio que eles abrem para que ali cresçam as nossas fantasias. Buscamos, no outro, não a sabedoria do conselho, mas o silêncio da escuta; não a solidez do músculo, mas o colo que acolhe… Como seria bom se as outras pessoas fossem vazias como o céu, e não tão cheias de palavras, de ordens, de certezas. Só podemos amar as pessoas que se parecem com o céu, onde podemos fazer voar nossas fantasias como se fossem pipas.
Rubem Alves

segunda-feira, 16 de junho de 2014

Já chorei vendo fotos e ouvindo musica;
Já liguei só para ouvir uma voz;
Me apaixonei por um sorriso;
Já pensei que fosse morrer de saudade;
E tive medo de perder alguém especial… (e acabei perdendo)
Já pulei e gritei de tanta felicidade;
Já vivi de amor e fiz muitas juras eternas… “quebrei a cara muitas vezes!”
Já abracei para proteger;
Já dei risadas quando não podia;
Já fiz amigos eternos;
Amei e fui amado;
Mas também já fui rejeitado;
Fui amado e não amei…
Augusto Branco

sexta-feira, 13 de junho de 2014

"Tentei evitar
Tentei esquecer tudo o que me lembra você
Tentei não te amar
Mas olho no espelho e nada de me reconhecer
Só vejo você..."
Tânia Mara

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Gosto de estar a teu lado,
Sem brilho.
Tua presença é uma carne de peixe,
De resistência mansa e de um branco
Ecoando azuis profundos.

Eu tenho liberdade em ti.
Anoiteço feito um bairro,
Sem brilho algum.

Estamos no interior duma asa
Que fechou.

Mario de Andrade.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Quero todo o teu espaço
 todo o teu tempo.
Quero todas as tuas horas
e todos os teus beijos.
Quero toda a tua noite
e todo o teu silêncio.
Mario Quintana

terça-feira, 10 de junho de 2014


Existem duas dores de amor:
A primeira é quando a relação termina e a gente,
seguindo amando, tem que se acostumar com a ausência do outro,
com a sensação de perda, de rejeição e com a falta de perspectiva,
já que ainda estamos tão embrulhados na dor
que não conseguimos ver luz no fim do túnel.

A segunda dor é quando começamos a vislumbrar a luz no fim do túnel.

Martha Medeiros

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Lutam melhor aqueles que têm sonhos belos. Somente aqueles que contemplam a beleza são capazes de endurecer sem nunca perder a ternura. Guerreiros ternos. Guerreiros que lêem poesias. Guerreiros que brincam como criança.
Rubem Alves

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Esse teu olhar
Quando encontra o meu
Fala de umas coisas que eu não posso acreditar…
Doce é sonhar, é pensar que você,
Gosta de mim, como eu de você…
Mas a ilusão,
Quando se desfaz,
Dói no coração de quem sonhou,
Sonhou demais…
Ah, se eu pudesse entender,
O que dizem os seus olhos.
Tom Jobim

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Encostei-me a ti, sabendo que eras somente onda.
Sabendo bem que eras nuvem, depus a minha vida em ti.
Como sabia bem tudo isso, e dei-me ao teu destino, frágil,
Fiquei sem poder chorar quando caí.
Cecília Meireles

segunda-feira, 2 de junho de 2014

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.
Pablo Neruda